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Autoria literatura e escrita criativa Livros Transmorfo

Trecho do meu livro de fantasia urbana: Transmorfo

Tá na dúvida se vale mesmo a pena ler Transmorfo?

Leia o prólogo.

PRÓLOGO

“Você é a próxima aberração no abate”

Um frio percorrerá a espinha de Maddie e ela engolirá em seco enquanto segura o bilhete em suas mãos trêmulas.

Ela lerá a mensagem pela segunda, terceira vez e, então, abrirá a porta com o maxilar travado, esperando encontrar quem quer que tivesse passado o recado por debaixo da porta. O corredor estará vazio exceto por outros quatro pares de olhos amedrontados, observando o espaço vazio.

Essie, ofegante, estenderá na frente do corpo um papel amarelo idêntico ao que Maddie segura.

— Vocês receberam também? — Alisha perguntará, vindo por trás de Essie com seus olhos fulvos de coruja, indicando o bilhete.

Faith e Frankie virão da direção oposta do corredor. A porta do quarto delas visivelmente aberta não muito longe dali. Ambas apresentarão também seus bilhetes.

As cinco garotas se juntarão no corredor a passos lentos, como em uma dança sincronizada, e os bilhetes amarelados, estendidos, se encontrarão no centro. Todos com as mesmas palavras digitadas em uma imitação de letra cursiva em tinta preta.

— Você é a próxima aberração no abate — Faith lerá aos sussurros, temendo cada palavra que sai de sua boca.

Uma porta baterá ao longe, tirando-as de um torpor momentâneo. Elas se entreolharão e Maddie será a primeira a correr em direção ao som. Os instintos felinos despontarão em seu âmago.

O campus da Academia Linnaeus parecerá vazio. A presença das pessoas, assim como seus medos, será inegável. Todas elas estarão escondidas em seus quartos ou atrás dos móveis enquanto o terror escorre pelas paredes.

Maddie virará de forma brusca para a direita ao ouvir passos correndo ao longe naquela direção. Sua intuição gritará que esses passos pertencem ao mensageiro, pertencem ao assassino, ao cortador de gargantas da Linnaeus.

Alisha, Faith, Frankie e Essie não demorarão a alcançá-la e as cinco, em um aceno silencioso, concordarão em seguir em frente. Todas conseguirão ouvir os passos correndo escada abaixo para o enorme espaço no subsolo e o seguirão.

— E se for uma armadilha? — sugerirá Essie, amedrontada. Seu sussurro ecoará tão alto quanto um grito.

— Vamos ter que ver para saber — concluirá Alisha, puxando a arma do cós da calça. A adrenalina que percorrerá o seu corpo será quase visível.

As garotas descerão as escadas em uma velocidade sobre-humana. Àquela altura, o assassino já terá caído na quietude, mas elas seguirão degraus abaixo, com passos em um ritmo bagunçado, até chegarem ao ginásio e à imagem sangrenta gravada nele.

Começará com um fio de sangue desfilando pelo piso azul e preto, manchando as linhas brancas, então se transformará em uma poça vermelha e lambuzada que conduzirá diretamente para uma pilha de corpos desfigurados, irreconhecíveis. Uma pilha de massa corporal, cabelos embolados, roupas rasgadas, sangue grudento, olhos petrificados e, principalmente, medo estampado. Medo humano na sua pior forma: a morte.

Essie gritará. Um guincho agudo de um animal ferido.

Frankie virará a cabeça para o lado sem conseguir suportar a imagem brutal diante de si. Ela se controlará ao máximo para não vomitar nos próprios pés.

Faith se curvará como se tivesse levado um chute no diafragma.

Quantos corpos estarão ali empilhados? Vinte? Trinta? Cinquenta?

A arma tremerá, vacilante na mão de Alisha e seus olhos ficarão marejados, ameaçando transbordar em lágrimas de sentimentos conflitantes.

Maddie não conseguirá parar de encarar a massa disforme de pele e sangue. O coração martelará em seu peito enquanto sua boca assume um gosto ácido.

Todas aquelas aberrações… mortas no abate. E elas serão as próximas.

Além disso, os cinco primeiros capítulos de Transmorfo estão disponíveis para leitura lá no Wattpad.

https://youtu.be/IChBhs9UBHc
Autoria Curiosidades Escrita literatura e escrita criativa Livros Transmorfo

Curiosidades sobre Transmorfo, o meu novo livro de fantasia urbana

Livro aberto

O livro tem 5 pontos de vistas diferentes e cada protagonista tem uma animal de transformação. As cinco são mulheres.

Cara de lobo

Animais de transformação delas: gato, coruja, lobo, coelho, raposa.

Pegadas

Existem Transmorfos Puros e Impuros. Os primeiros se caracterizam por toda uma linhagem de sangue com poder de se transformar em animais de uma mesma família, ainda que varie a espécie. Com os Impuros a habilidade pula gerações, podendo ter apenas uma pessoa na família.

Memorando

Eu escrevi o livro em 2017 e ele passou por várias mudanças. Uma vez tentei mudar a narração dos primeiros capítulos para terceira pessoa, mas não gostei do resultado e mudei de volta para primeira.

Coração vermelho

Em relação aos romance do livro temos: relação entre duas mulheres, um meio triângulo amoroso (que tem uma das pontas proibidas), friends to lovers, o popular e a “certinha”.

Bandeira do Brasil

Apesar de o livro se passar nos EUA, Maddie, uma das protagonistas, é brasileira e sua história abre bastante espaço para que, se uma dia eu quiser, possa escrever um outro livro. (Não era o plano inicial, mas algumas ideias surgiram)

Montanha coberta de neve

Escolhi o Alasca para ambientação do livro por causa do frio, montanhas e fenômeno da aurora boreal. Apesar disso, a porção do estado em que a história se passa é fictícia. Winter Meadow foi criado exclusivamente para abrigar a Academia Transmorfo.

Cabeça explodindo

A Academia para Transmorfos se chama Linnaeus por causa de Carlos Liannaues (ou Lineu), considerado o “pai da taxonomia”. Ele criou a classificação das coisas vivas em uma hierarquia, ou seja, do reino animal.

Gostaram dessas curiosidades?

Vocês já podem adquirir o livro na loja integrada e na Amazon.

Autoria Escrita literatura e escrita criativa Livros Transmorfo

Tudo sobre Transmorfo, meu novo livro de fantasia urbana

Transmorfo é uma fantasia urbana que conta a história de cinco meninas, com habilidade de se transformarem em animais, e que se unem a partir de uma série de assassinatos que ocorre na Academia onde estudam e moram.

Primeiramente, Transmorfos são pessoas que tem a habilidade de se Transformar em animais e, no caso do meu livro, animais de famílias especificas.

PROTAGONISTAS

Temos cinco protagonistas e cinco pontos de vistas nessa história.

Maddie

Maddie se transforma em gato. Depois de perder a sua família e viver muitos anos em um bando de felinos, ela decide recomeçar a sua vida indo para a Academia Linnaeus.

Alisha

Alisha se transforma em coruja. Ela vai para Academia para fugir de um terrível ato que cometeu e tenta ao máximo esconder um segredo sobre seu passado. Mas, claro que não demora muito para esse segredo sangrento ser revelado.

Faith

Faith se transforma em lobo. Ela é a filha “meio que rebelde” da nova diretora da Academia, mas organiza lutas ilegais no campus e ninguém é páreo para ela. Ela se refugia muito na luta.

Frankie

A colega de quarto de Faith é a Frankie, outra das protagonistas, e ela se transforma em coelho. Ela é muito tímida, introspectiva e tem pavor de ser tocada por qualquer pessoa. O fato de os olhos dela serem vermelhos a faz ter um pouco de vergonha da sua aparência.

Essie

Por último, a Essie que se transforma em raposa. Ela quer deixar o estereótipo dela do colégio para trás e recomeçar, mas, logo no primeiro dia de aula a colega de quarto dela é encontrada morta.

AMBIENTAÇÃO

A Academia Linnaeus é uma espécie de faculdade, mas também de abrigo onde os Transmorfos jovens podem ir se refugiar, estudar e treinar. Fica localizado em Winter Meadow, um lugar fictício no Alasca, nos Estados Unidos, que não existe nos mapas. Lá é muito frio e isolado, mantendo a distância de humanos normais e de caçadores.

INIMIGOS

Por puro preconceito, os caçadores abominam os Transmorfos (por isso, eles têm de proteger em lugares como a Linnaeus). Válido dizer que a Maddie tem uma história com um caçador que deixa as coisas meio suspeitas pra ela.

CARACTERÍSTICAS TRANSMORFO

Existe uma questão: alguns traços dos animais de transformação ficam muito evidentes mesmo quando os Transmorfos estão na forma humana, como o olho de Frankie e o de Maddie que é bem dourado.

SOBRE O LIVRO

A partir desse primeiro assassinato, as cinco meninas acabam se unindo porque passam a receber mensagens supostamente do assassino e, assim, começam a investigar. Só que, para isso, elas precisam confiar umas nas outras. Tudo se complica quando mais pessoas sumindo, corpos aparecendo e segredos sendo revelados.

Esse livro tem muito foco nas amizades, não só delas cinco, mas também com outros personagens, assim como várias metáforas sobre discriminação, observando o mundo Transmorfo como sociedade. Claro que também há os problemas clássicos de jovens entre 18 e 20 anos, drama, romance, além de mistério e intrigas.

Eu terminei esse livro em 2017 e, desde então, tem sido uma monta russa. Ele passou por mudanças, ele foi abandonado, ele foi reescrito. E agora, ele finalmente vai chegar nas mãos de leitores e eu não poderia estar mais feliz.

A CAPA

A capa foi criada por mim com ajuda e o molde de Nick Exaltação, minha amiga (que é capista!).

E  na capa aberta temos a aurora boreal um evento que marca o muito o livro em determinado momento.

Me falem nos comentários o que vocês acharam dessa capa.

Enfim, eu estou muito orgulhosa de anunciar que o  livro já está em pré-venda lá na minha loja integrada, assim como o e-book na Amazon.

Lembrando que a estreia oficial é dia 30 de agosto e que as entregas podem sofrer atraso por causa das complicações da pandemia.

Espero que vocês tenham se interessado e espero que gostem da leitura!

Deixem avaliações, me mandem mensagens e perguntas que eu vou amar ouvir e responder.

E esse mês de agosto é o mês de Transmorfo lá no youtube e no meu instagram (@bettinawinkler.pdf) então fiquem ligados para mais informações sobre o livro.

Beijos e até a próxima.

Autores Autoria Escrita Livros

Tudo sobre Grim Reaper, o meu primeiro livro publicado

Com grande influência da escrita de Cassandra Clare, Jornada da Morte é o primeiro livro da série Grim Reaper, escrito por Nick Exaltação e, eu, Bettina Winkler.

Conta a história de Amy Buckley, uma menina entediada com seu cotidiano que muda de vida drasticamente após a um grave acidente cujo foi a única sobrevivente. Um ser encapuzado passa a segui-la e a morte se torna uma constante em sua vida.

Mas o que isso quer dizer?

MITOLOGIA

A mitologia de Grim Reaper — apesar de fortemente baseada em contos, mitos e lendas como Shinigamis e Anubis, além da típica figura ocidental do ser cadavérico que resgata as almas, — também conta com diversos elementos únicos a começar pela coletividade.

Não existe apenas um Ceifador, mas toda uma Dimensão, chamada a Dimensão da Morte, composta por eles e liderada por um conselho de Ceifadores anciões. Um sistema de coleta de almas foi criado, direcionando assim, cada Ceifador ao seu trabalho. Os nomes das almas aparecem e seus Livros da Morte e é assim que eles sabem qual alma resgatar.

Claro que, Amy, nossa protagonista, é uma exceção a essa regra, mas isso já é um pequeno spoiler.

Há os Túneis da Morte, ou seja do céu e do inferno (também chamado de Dimensão das Trevas), mas não são os Ceifadores que decidem onde cada alma deve ir. E há ainda almas devastadas, perdidas e condenadas a vagarem, sem rumo, pelo mundo dos vivos. Elas são diferentes dos Fantasmas do livro, que são uma junção de alma com demônio.

E falando nisso, a presença de demônios, tanto baseado em lendas, quanto criados por nós, também é importante de se mencionar. As Dracuns, por exemplo, que são demônios em formato de gárgulas e, normalmente, fazem o trabalho sujo de quem não quer sujar as mãos…SUSPENSE.

Em adição, ainda há as figuras misteriosas do Deus da Morte e do Senhor do Tempo, criaturas jamais vistas, mas fortemente respeitadas e com grande poder em mãos. Quem são eles? Bom, ninguém sabe. Ainda.

A maior autoridade do mundo dos Ceifadores é o Supremo Ceifador da Morte, o encarregado pelo Livro Supremo da Morte.

Para entender melhor, confira esse trecho:

— Os nomes, locais, datas, só aparecem momentos antes das mortes. Depois que eu coleto as almas, esses registros desaparecem e vão para o Livro Supremo da Morte. É um livro maior que fica na Dimensão da Morte, e é nele que estão todos os registros, de cada alma e o túnel para onde vão.

— Túnel?

— Existem dois. O túnel do Inferno e do Céu. Os nomes das almas aparecem com os seus respectivos túneis. — Ele responde.

— Quem cuida do Livro Supremo da Morte?

— O Ceifador Supremo. Há muito ainda que você precisa entender sobre o meu mundo.”

Nesse mundo de fantasia há regras, vocabulário próprio e muitos mistérios.

LOCAÇÕES

A história se passa em São Francisco, Califórnia. E apesar de Nick e eu nunca termos pisado nos Estados Unidos, foram feitas muita pesquisa e muitas viagens pelo Google Maps.

Além da constante neblina que encobre a cidade californiana, locações como a ponte Golden Gate, a Prisão de Alcatraz, Grace Cathedral o Museu Exploratorium são peças chaves na história e tem importância fundamental na construção do plot, fazendo com que fosse impossível que a ambientação acontecesse em qualquer outro lugar.

PUBLICAÇÃO

Em 2015, Jornada da Morte foi publicado por uma pequena editora e em 2017 a sua continuação, O Deus do Caos, também. Mas, logo a editora fechou e o livro parou de ser produzido.

Confira aqui a história da nossa publicação.

Mas, em 2020, colocamos a versão digital dos livros de volta na Amazon e estamos prestes a fazer versões físicas independentes! Isso mesmo, Grim Reaper está de volta!

E isso significa que muito em breve também voltaremos a trabalhar no último livro da trilogia, tão esperado e desejado por nossos leitores.

Você conhecia a nossa série Grim Reaper?

Confira o Book Trailer de Jornada da Morte:

Autoria Contos Escrita literatura e escrita criativa

A Assimetria do Toque (Conto)

TW: abuso (implícito)

Eu sabia que não deveria sorrir.

Minhas pernas doíam, o estômago se embrulhava e a boca estava seca, como se tivesse comido areia morna. Tudo fruto da festa da noite passada.

O sol já havia nascido há algum tempo quando cheguei ao cemitério. Felizmente, não era muito longe de casa e eu sabia que o enterro já havia começado.

Observava de longe, escondida atrás de uma árvore, aquelas pessoas lamentarem a morte daquele homem nojento e terrível enquanto o pastor entoava palavras de amor e compaixão que me enojavam. Como poderiam amá-lo quando ele me tocou quando não deveria, onde não deveria? Já fazia alguns anos, mas ainda me assombrava quando fechava os olhos ou quando o toque vinha de outro.

Tentei descobrir qual daquelas mulheres chorosas, de óculos escuros, era casada com ele. Será que ela sabia que agora estava livre?

A pior parte era ver o meu pai no meio deles. Como ele poderia estar ali quando ele sabia? E se ele não sabia, como poderia não saber? Estava tão óbvio… aconteceu debaixo de seu nariz, dentro de sua casa, cometido por seu colega de trabalho e amigo de bar.

Que ele queime no inferno.

Sorri de novo sem que nenhum tipo de remorso me atingisse. Estava cansada do remorso. Tudo que sentia era alívio.

Agora que havia me certificado que era real, virei as costas e comecei a ir para casa, mas algo na esquina seguinte me impediu de continuar.

Reconheci o topo da sua cabeça castanha e suada ao se curvar para vomitar na beira da calçada.

Dessa vez a culpa me alcançou. Era ele! O garoto que havia me tocado durante toda a noite anterior.

Expulsei o sentimento de mim. Aquilo não era a mesma coisa. Eu havia permitido que o fizesse. Além disso, foi diferente, carregado de uma ternura que havia me surpreendido mesmo na embriaguez e no desconhecido. Tinha beijado minha testa enquanto esperávamos na fila para comprar bebida, acariciado meus cabelos quando fiquei sonolenta, me abraçado durante o tempo em que dançávamos na pista.

Eu disse ao meu cérebro: Não, isso não é a mesma coisa.

Me aproximei devagar enquanto ele limpava a boca com as costas da mão. Já ia cumprimenta-lo quando ele sacudiu as mãos para mim.

— Gostaria muito que não tivesse me visto assim — riu, sem graça, afastando os cabelos grudados na testa.

— Você está bem? — perguntei, olhando ao redor em busca de um vendedor de água, mas é claro que não haveria ninguém vendendo nada a uma quadra de distância do cemitério local.

Ele cuspiu no chão e tirou do bolso um pacote de balas de hortelã. Enfiou uma na boca e me ofereceu outra. Minha boca de areia salivou. Aceitei o doce e agradeci.

— O que faz aqui? — perguntou primeiro que eu.

Escondi a bala na bochecha esquerda antes de responder:

— Moro a duas quadras daqui, mas estava… fazendo uma visita.

— Veio direto da festa? — questionou, me observando.

Dei de ombros, fingindo indiferença.

— E você?

— Isso vai parecer muito mórbido, mas estou indo a um enterro. — Ele apertou os lábios rechonchudos como se estivesse ainda mais constrangido por aquilo do que pelo vômito.

— E veio direto da festa? — repeti sua frase, causando-lhe uma risada afetada.

— Eu precisava me distrair… por isso fui a festa. Se quer saber, você ajudou bastante. — explicou.

— Eu sou mesmo uma boa distração — comentei, sem querer, soando mais magoada do que engraçada. Ele percebeu também.

— Não é exatamente do que eu te chamaria. Pretendia te chamar para sair um dia desses, mas depois desse nosso encontro, — sinalizou o espaço entre mim e ele como se apontasse para o tempo presente — descartei a possibilidade, por causa de todo o vômito, do enterro e tudo mais.

Eu ri.

Depois de alguns segundos de silêncio, analisei o seu rosto que observava além de mim, como se pudesse enxergar o cemitério dali.

Um pensamento pairava sobre minha cabeça, terrível demais para que eu perguntasse. Mas agora o meu estômago estava ainda mais embrulhado e a bala em minha boca ficava cada vez mais enjoativa. Eu seria a próxima a vomitar.

— Está triste? — sondei.

— Claro que sim, — respondeu de um jeito ensaiado, desprovido de emoção.

— Está? — forcei a pergunta, exigindo mais do que aquela resposta. Queria cuspir a bala.

— Tenho que estar. Estou triste, mas também estou aliviado. —  Confessou de uma vez. —  Vim por causa da minha mãe, entende? Mas estou aliviado. — Sua frase soou como um balbucio.

Senti o gosto da bile.

— Aliviado? — repeti com dificuldade.

— O meu pai… ele não era um cara legal. — Ele baixou os olhos e disse mais algo que não consegui ouvir. — É melhor eu ir… já começou faz um tempo.

Anui e voltei a andar. Não me despedi e nem olhei para trás, mas senti seu toque quente em meu ombro e congelei.

— Eu te ligo.

Sua mão se demorou ali e senti a assimetria do toque com a lembrança das mãos dele, me esforçando para lembrar que aquele garoto não era o seu pai, assim como eu não era o meu. Meu corpo relaxou com a realização e mesmo sabendo que não deveria, cheguei à porta de casa com um tipo diferente de sorriso, carregado da leveza do fantasma do toque afável, concedido. Questionei a temporariedade, antes tão determinada, como normalmente acontece nas festas, daquilo que poderia não dar em nada, mas que ainda assim já era algo.

Sentindo o vento frio, resquícios da madrugada, com os braços ao redor do meu próprio corpo, percebi que pertencia a mim mesma a ponto de sorrir quando não devia e ser tocada apenas quando desejasse.

Audiovisual Autoria cinema redação

ANTES DO AMANHECER SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA REALISTA DO CINEMA

A ORIGEM DO TEXTO

Esse texto é fruto de um trabalho que fiz para a aula de Teorias do Cinema no quarto semestre da faculdade de Cinema e Audiovisual. Aborda um dos meus filmes favoritos “Antes do Amanhecer” sob a perspectiva da Teoria Realista, além disso é um texto que me deixou muito orgulhosa e que me deu muito prazer em redigir, refletindo assim na maravilhosa nota que me foi dada por uma professora incrível que tem minha gratidão e é alvo de minha inspiração até hoje.

Não sou nenhuma expert no assunto, não sou crítica de cinema nem nada do tipo, mas a partir de várias pesquisas e leituras, além das aulas anteriormente mencionadas, pude juntar a teoria com o tipo de filme que eu sonho um dia poder fazer. 

A Teoria Realista é fortemente retratada na trilogia “Before” e expliquei um pouco dos motivos, tomando como referência o primeiro filme.

Sinopse

Jesse, um jovem americano, e Celine, uma linda francesa, se conhecem no trem para Paris, e começam uma conversa que os leva a fazer uma escala em Viena e ficar um pouco mais juntos, sem imaginar o que o destino os reserva.

O TEXTO

Antes do Amanhecer é o primeiro filme da trilogia “Antes” lançado em 1995, dirigido por Richard Linklater produzido pelos Estados Unidos, Suíça e Áustria. A obra conta a história de Celine e Jesse, interpretados por Julie Delpy e Ethan Hawke, um casal que se conhece em um trem com destino a Paris. Eles entram em uma conversa interessante e, apesar do encontro breve, decidem passar mais tempo juntos. Jesse convence Celine a descer do trem em Viena e passar a noite com ele enquanto aguarda por um voo marcado para a manhã seguinte. Juntos, eles adentram numa cadeia de conversas profundas e questionamentos sobre ciência, sociedade, costumes, a vida de forma geral e abrangente, resultando no florescer de um romance.

O “cinema da alma”

O longa é carregado de propriedades fincadas na teoria realista, defendida por teóricos como André Bazin e Siegfried Kracauer, que prezavam pela transformação da realidade em história. A todo momento, essa é a sensação que o filme transmite ao espectador, a ilusão de tempo real sendo vivido, ou de “verdadeira continuidade” como diria Bazin.

Desde o começo, é mostrada a paisagem pela janela do trem, seguida de planos sequências que acompanham o movimento e os diálogos dos personagens, assim como o uso de planos over the shoulder, sempre incluindo um personagem e a sombra do outro, dando a ideia de que a câmera está ali apenas de um ponto de vista observativo contemplando a conversa dos dois. Era o que Bazin acreditava ser o “cinema da alma” que qualificava o cinema como um reflexo da alma do cineasta, fazendo da câmera uma mera observadora.

PLANOS E LOCAÇÕES

As propriedades técnicas do cinema são utilizadas para apoiar a sua função básica que seria mostrar o mundo ao espectador. O universo apresentado nesse caso é um mundo cotidiano, desde o encontro dos protagonistas no trem até o passeio pela cidade de Viena, sempre dando destaque as paisagens e pontos turístico, utilizando de movimentos de câmera como panorâmica de cima para baixo para localizar os personagens. A Roda Gigante (Riesenrad), o Kleines Café e o museu Albertina são alguns dos lugares que os protagonistas visitam.

PLANOS LONGOS E O ROTEIRO

O roteiro deles é espontâneo. Logo quando Jesse e Celine chegam em Viena, eles entram em um bonde que anda pela cidade. Essa cena é um dos muitos planos sequência que seguem os personagens enquanto o diálogo acontece, um jogo de perguntas que os ajuda a se conhecerem melhor. São mais de cinco minutos seguidos, sem cortes.

A obra conta frequentemente com o uso de planos longos, sejam eles com diálogos ou em silêncio, muitas vezes utilizando o movimento do travelling. Esses planos longos se repetem em diversos momentos, como por exemplo, na cabine de som enquanto ouvem uma música e no parque de diversões enquanto andam e conversam. O filme sempre se utiliza de artifícios para evitar cortes na montagem, um dos principais princípios da teoria realista, defendida por André Bazin.

PROFUNDIDADE DE CAMPO

Outro aspecto descrito pelo teórico é uso da profundidade de campo e uma das cenas que apresenta essa técnica vem logo em seguida a de um plano sequência. Um poeta, artista de rua, para o casal na beira do lago para oferecer os seus serviços. A troca de foco ocorre dos protagonistas para o pedinte, sem utilizar nenhum corte, mudança de plano ou sequer movimento de câmera. Depois disso, Jesse e Celine seguem conversando enquanto o homem escreve o poema.

A CÂMERA QUE OBSERVA

Além disso, algumas técnicas, usadas para manter a sensação de que a câmera está apenas observando o mundo visível e fotografável, também são exploradas. Em alguns momentos a câmera segue os pés dos personagens para só depois mostrar os seus rostos, nesse momento a voz off é utilizada, um artifício que foge do aspecto realista, dessincronizando som e imagem, mas que não destoa da estética por criar a ilusão de acompanhamento dos personagens. Uma técnica similar também é utilizada quando o casal, filmado de costas, se afasta da câmera e a conversa continua em voz baixa até a mudança de plano ocorrer.

Outro momento em que a câmera se torna uma mera presenciadora é quando os personagens saem de cena e a imagem se mantém na mesma locação, criando a ilusão de que a filmagem estaria ocorrendo de qualquer maneira, mesmo se eles não tivessem passado por ali.

Há ainda a cena do restaurante, que segue essa mesma linha de observação do acaso, que apesar de contar com cortes, mostra pessoas aleatórias em seus cotidianos, interagindo — ou não —, comendo, bebendo e etc. Diversos indivíduos são exibidos antes da trama voltar para os protagonistas e dar continuidade a história. Mais uma vez é como se eles só estivessem ali por acaso e a câmera fosse continuar filmando a realidade independentemente de suas presenças.

TRILOGIA BEFORE

É válido mencionar também a existência dos os outros dois filmes da trilogia, Antes do Entardecer e Antes da Meia Noite, cada um com um intervalo de nove anos entre eles, lançados em 2004 e 2013 respectivamente. Essa característica é única e contribui um toque especial ao realismo imposto nessas obras já que os atores continuam interpretando os mesmos personagens só que mais velhos e com novas experiências de vida. Este aspecto, juntamente com os diálogos como peças centrais e fundamentais da obra, e a visão inovadora de um tema tão abordado como o amor, dão a Linklater um estilo único que pode ser associado a Política dos Autores, movimento que pregava pela valorização do estilo e ia de encontro a estrutura do cinema comercial. Os estudos de André Bazin tiveram grande influência nesse movimento, fazendo desse elemento mais um dos aspectos do realismo.

Toda trilogia mantêm o mesmo estilo realista repleto de diálogos, planos sequência, jogo de foco e profundidade de campo, panorâmicas apresentado outras locações, dessa vez em Paris e na Grécia.

A ARTE DO REAL

Antes do Amanhecer é uma obra audiovisual única, composta de elementos que aproximam o espectador do produto, os identificam num mundo verossímil e criam uma relação entre os protagonistas e quem os assiste, com o tempo passado para eles e o tempo real, dando a ilusão do cinema a característica de arte do real.